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Metascience 2025: representando a Rede Brasileira de Reprodutibilidade no maior encontro internacional de metaciência

  • Foto do escritor: Isis Paiva Trajano
    Isis Paiva Trajano
  • 26 de ago.
  • 7 min de leitura

Atualizado: 1 de set.

O Metascience é um congresso internacional bienal que reúne instituições e pesquisadores comprometidos com a produção de ciência de qualidade e com impacto real para a sociedade, e tem como um dos objetivos “estabelecer uma agenda para o futuro das políticas e do financiamento da ciência”. A edição mais recente aconteceu de 30 de junho a 2 de julho, em Londres, e eu tive a oportunidade de participar com financiamento concedido pelo Research on Research Institute (RoRI), com apoio da Fundação Volkswagen, para representar o Sul Global e, ao mesmo tempo, a Rede Brasileira de Reprodutibilidade. 

Ao longo de três dias, o evento apresentou uma programação diversa, com plenárias e painéis que abordaram desde reflexões conceituais sobre metaciência até temas como redes e alianças internacionais, diversidade e inclusão, ciência aberta, políticas globais, financiamento e avaliação em pesquisa. Neste post, compartilho um pouco das discussões que acompanhei e minhas impressões sobre o congresso, mas considero importante primeiro contextualizar este relato apresentando brevemente minha trajetória nessa área da ciência.

Estou no meu segundo ano de doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e, desde o mestrado, as formas como a pesquisa é planejada, executada e divulgada me despertam grande interesse. Por sorte, trabalho em uma unidade de pesquisa liderada por um cientista que incentiva o senso crítico e oferece liberdade para que os alunos se envolvam com o processo científico para além das paredes do laboratório. Esse ambiente me permitiu representar os alunos de pós-graduação da USP em diferentes conselhos, colegiados e grupos de trabalho desde o início do mestrado – uma experiência extremamente formativa e gratificante, ainda que por vezes desafiadora. 

Com mais conhecimento sobre os processos institucionais e políticas sobre ciência, além do contato com pesquisadores das mais diversas áreas, cheguei até a Rede Brasileira de Reprodutibilidade e me tornei uma das suas embaixadoras em 2024, passo fundamental para conquistar o apoio que viabilizou minha participação no Metascience 2025.

O congresso aconteceu no distrito de Londres chamado Knowledge Quarter (algo como “Polo do Conhecimento”), o que soa como um prelúdio do evento em si. O Knowledge Quarter é uma parceria entre universidades, bibliotecas, museus, centros de pesquisa, editoras e empresas localizadas em um pequeno perímetro no centro de Londres, e funciona como um ecossistema de conhecimento, acelerando a inovação e fortalecendo as redes científicas e a influência global de seus membros. 

Esse ambiente refletia a proposta do Metascience: conectar ideias, pessoas e instituições para repensar e aprimorar a ciência. A proximidade física de tantos atores relevantes criava um pano de fundo simbólico, como se o Knowledge Quarter fosse uma extensão natural das conversas e debates que aconteciam dentro do congresso – um lembrete constante de que ciência de impacto nasce não só de boas perguntas, mas também de ecossistemas que favorecem a colaboração.

A plenária inaugural contou com uma fala de abertura de Lord Vallance, Ministro de Ciência e Inovação do Reino Unido, que defendeu a urgência em proteger e expandir o financiamento à pesquisa básica. Ele apresentou duas publicações que destacam o avanço da Metaciência no país: “A Year in Metascience (2025)”, que resume as atividades e projetos da Unidade de Metaciência do Reino Unido, focados em melhorar revisão por pares, financiamento e avaliação da pesquisa; e “The Past, Present and Future of UK Metascience”, coautoria do RoRI, que oferece um panorama da evolução da Metaciência no Reino Unido e no mundo. 

Em seguida, a plenária focou na discussão sobre formulação de políticas em metaciência (“Metascience-powered policymaking”), reunindo representantes de editoras científicas, academias de ciências, agências nacionais de ciência e tecnologia, órgãos governamentais de inovação e conselhos internacionais de ciência, dando o tom institucional que permeou essa edição do Metascience. Entre as falas que me chamaram a atenção nessa plenária destaco a de Sylvia Schwaag Serger, presidente da Academia Real de Ciências da Engenharia da Suécia e coautora do Heitor Report. Ela alertou sobre o atraso da União Europeia na adoção de novos modelos de financiamento e defendeu que a inovação precisa acontecer não apenas dentro dos laboratórios, mas também no próprio sistema que sustenta a ciência.


James Wilsdon apresenta a plenária “Metascience-powered policymaking”. (Foto: Layton Thompson, Benjamin Wetherall e Henrik Andersen)
James Wilsdon apresenta a plenária “Metascience-powered policymaking”. (Foto: Layton Thompson, Benjamin Wetherall e Henrik Andersen)

No entanto, as plenárias que mais geraram debates durante o congresso aconteceram nos dias seguintes. Na primeira, sobre inteligência artificial (IA) na ciência (“AI in science: accelerating discovery?”), Sabina Leonelli, professora de Filosofia e História da Ciência e Tecnologia na Universidade Técnica de Munique e  Diretora Científica da Ethical Data Initiative, destacou os perigos de ignorar os impactos sociais da IA, lembrando da invisibilidade do trabalho dos rotuladores de dados e dos custos ambientais associados ao resfriamento dos grandes data centers. 

Embora os impactos sociais e ambientais da IA fossem temas suficientemente relevantes para incentivar o debate, a tensão aumentou quando participantes questionaram a coordenadora do Google DeepMind Impact Accelerator, Anna Koivuniemi, sobre quais interesses da metaciência estão sendo servidos pela participação central de uma iniciativa de uma grande corporação como o Google. Esse questionamento ressurgiu na plenária do dia seguinte, que contou com a Vice-Presidente de Relações Acadêmicas e Governamentais da Elsevier, Sarah Main, durante a discussão sobre a construção de novas instituições e alianças (“Forging New Institutions & Alliances”). A presença de uma representante de uma gigante do mercado editorial já era tema de debate entre os participantes desde o primeiro dia, evidenciando a tensão latente sobre o papel de grandes editoras no cenário da metaciência e na promoção da ciência aberta.

Além das plenárias, o congresso contou com uma série de painéis temáticos que reuniram diferentes propostas de apresentação de pesquisadores em torno de assuntos comuns. Foram abordados temas como a publicação científica e estruturas de incentivo, reflexões críticas sobre pluralismo epistemológico, decolonização da ciência e o papel da diversidade de pesquisadores na formulação de perguntas científicas. 

No painel dedicado às principais críticas à Metaciência (“Constructive confrontation: a roundtable to explore common criticisms of metascience”), me chamou a atenção uma discussão sobre o uso dos termos “reprodutibilidade” e “replicabilidade”. Frequentemente associados ao rigor científico, esses conceitos não garantem, por si só, a qualidade ou a confiabilidade da pesquisa, especialmente em áreas nas quais sua aplicação é complexa. Essa reflexão deixou evidente que, embora estudos sobre a ciência existam desde que a própria ciência existe, o debate conceitual sobre seus fundamentos está longe de ser consenso entre os pesquisadores. 


Sheena Bartscherer falando durante a sessão “Constructive confrontation: a roundtable to explore common criticisms of metascience”. (Foto: Layton Thompson, Benjamin Wetherall, e Henrik Andersen)
Sheena Bartscherer falando durante a sessão “Constructive confrontation: a roundtable to explore common criticisms of metascience”. (Foto: Layton Thompson, Benjamin Wetherall, e Henrik Andersen)

Neste painel, Ismael Rafols, coordenador da Cátedra UNESCO sobre Diversidade e Inclusão na Ciência Global, trouxe exemplos sobre a importância de valorizar diferentes formas de produção de conhecimento. Ele mencionou o caso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que publica tanto artigos em periódicos de acesso aberto quanto relatórios técnicos com milhares de downloads, demonstrando impacto além da academia. Rafols também destacou que práticas de ciência cidadã vêm sendo desenvolvidas desde os anos 1950, citando, por exemplo, iniciativas de Paulo Freire, e que muitas dessas contribuições não aparecem em levantamentos tradicionais de ciência, pois não estão classificadas como publicações acadêmicas formais ou projetos de extensão. Segundo ele, essa invisibilidade reflete uma falta de pluralidade epistêmica, reforçando a necessidade de reconhecer e integrar diferentes modos de produzir e validar conhecimento na avaliação científica. 

Chamou atenção a presença desses exemplos brasileiros de ciência aberta e ciência cidadã em um painel que não contava com sequer um sul-americano entre os apresentadores, num congresso com pouquíssimos representantes do Sul Global – uma contradição que expõe a distância entre o discurso sobre o papel da América Latina na ciência aberta e a realidade dos interesses institucionais latino-americanos em atuarem como protagonistas nesse cenário.

Outro painel que proporcionou uma discussão enriquecedora foi o dedicado ao feminismo e a metaciência (“Toward a feminist metascience: perspectives and pain points”). As apresentadoras argumentaram que, embora a ciência aberta, em princípio, deva ser acessível a todos, na prática ainda existem formas persistentes de exclusão epistemológica e metodológica, bem como uma carência de atenção à equidade, diversidade e inclusão na ciência de maneira geral. 

Sob uma perspectiva interseccional, a “metaciência feminista” se apresenta como um movimento para alinhar os processos de pesquisa aos princípios feministas, abordando desigualdades de poder e promovendo equidade, diversidade e inclusão no ambiente científico. O painel destacou-se também pela diversidade de experiências de suas participantes – Sakshi Ghai (London School of Economics), Gowri Gopalakrishna (Maastricht University), Madeleine Pownall (University of Leeds), Annayah Prosser (University of Bath) e Cassidy Sugimoto (Georgia Tech) trouxeram perspectivas brilhantes sobre diversidade, inclusão, abordagens decoloniais, feministas e equidade em ciência aberta e integridade acadêmica.

Olavo Amaral falando durante a sessão “What's the future of grassroots networks for reproducibility and reform?”. (Foto: Layton Thompson, Benjamin Wetherall, e Henrik Andersen)
Olavo Amaral falando durante a sessão “What's the future of grassroots networks for reproducibility and reform?”. (Foto: Layton Thompson, Benjamin Wetherall, e Henrik Andersen)

O evento também foi marcado pela conexão com redes internacionais. No painel sobre o futuro das redes comunitárias de reprodutibilidade e reforma (“What's the future of grassroots networks for reproducibility and reform?”), representantes de diversas nacionais da Rede de Reprodutibilidade – Agata Bochynska (Noruega), Oleksandr Berezko (Ucrânia), Olavo Amaral (Brasil), Neil Jacobs (Reino Unido) e Nicolas P. Rougier (França), enfatizaram a importância de estruturar redes de reprodutibilidade como infraestrutura de apoio à metaciência, criando diretrizes, treinamentos e iniciativas que conectem pesquisadores e fortaleçam mudanças culturais e institucionais na forma como a ciência é conduzida e avaliada.

A participação no Metascience 2025 não apenas aprofundou minhas reflexões sobre minha trajetória acadêmica, mas também resultou em ideias concretas, incluindo um projeto de metaciência que será iniciado em breve como desdobramento direto dessa experiência. Essa vivência, marcada pela diversidade de perspectivas e colaborações, ampliou minha compreensão sobre as oportunidades e responsabilidades de quem atua na interface entre ciência e metaciência, reforçando meu compromisso e motivação para contribuir ativamente, por meio do meu trabalho na Rede, para o fortalecimento de uma ciência mais aberta, inclusiva e confiável. Espero que essa perspectiva também contribua para potencializar a atuação da Rede e de seus membros, inspirando mais pessoas envolvidas no processo científico a se engajarem com a ciência aberta e a reprodutibilidade, tanto em seus próprios centros de pesquisa quanto nas discussões públicas sobre o tema.


Mais sobre a autora:

Isis é doutoranda em Ciências pela USP, atuando nas áreas de fisiologia humana e neurociências, com ênfase em termorregulação, neuroinflamação e inflamação sistêmica. Como Embaixadora da RBR, ela desenvolve pesquisa sobre as práticas e políticas de ciência aberta de universidades e instituições de pesquisa brasileiras. Ela também faz parte da equipe que idealizou e planeja a Semana USP de Ciência Aberta, uma semana de eventos organizados pelas Comissões de Pesquisa das Escolas, Faculdades e Institutos da USP para discutir e oferecer treinamentos e ferramentas relacionadas à ciência aberta e reprodutibilidade.

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